quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

CAMETÁ 380 ANOS? A HISTÓRIA DA CIDADE COMEÇOU NO SEU PORTO!



Passear pela História do Porto de Cametá é navegar na História da própria cidade e pela nossa História, pois, foi no porto que começou a sua construção e reconstrução. É imenso o prazer de navegar. Maior ainda é a alegria de chegar no porto do meu torrão e lá reencontrar minha gente, meu lar, meu amor! Este torrão maravilhoso também é seu caro (a) leitor (a).

O entendimento do atual espaço de circulação do Porto de Cametá, nascido através de tempo histórico, é básico para a reflexão presente de uma visão estática da realidade, primando pela visão que ultrapassa as exterioridades, caçando como um Cabano-Camutá guerreiro o alvorecer de seus ancestrais, para explicar a sua realidade, esmiuçando a sua história para desobscurecer o presente e meditar sobre o futuro.

A CONSTRUÇÃO DA CIDADE E O CONTEXTO GEOLOLÍTICO EM QUE APARECE SEU PORTO

O
 Porto de Cametá, no decorrer de sua história despertou, por muitas vezes, a atenção geopolítica e geoestratégica nas lutas pela conquista da Amazônia e pelo poder do Estado.

A estratégia é decorrente da política e a política é a arte ou a ciência de governar [...]. Política é a concepção de governo e Estratégia é a ação decorrente desta concepção.  Política é o que fazer. Estratégia é como fazer. Neste quadro incluem-se a Geopolítica e a Geoestratégia. A Geoestratégia é a estratégia aplicada às áreas privilegiadas pela Geopolítica. Sendo a estratégia aplicada por uma política, haverá uma estratégia para cada política, seja ela econômica, social, militar etc. A estratégia militar é a arte de conduzir a guerra. A guerra á a política impulsionadora de seus objetivos por meios violentos segundo pensadores como Montesquieu, Rousseau, Clausewitz, Jomini, Mahan, Mackinder e Lenine. (MATOS, 1986, p.7).

É neste contexto geopolítico e geoestratégico em que permeia o porto, que a Cidade de Cametá é construída e reconstruída. Em um primeiro momento, para a conquista da Amazônia, utilizando-se da força geopolítica da igreja e da estratégia militar. Revivendo a História, vivencia-se a Cabanagem e a Contra Revolução cabana, onde o porto novamente é fator geopolítico e geoestratégico. Neste espaço portuário, Cametá homenageia seus “heróis”, constrói seus projetos técnico-políticos para o porto e trava a guerra homem x natureza contra a erosão e a guerra público x privado para a apropriação do cada vez mais valorizado espaço do porto.

A PARTICIPAÇÃO DE CAMETÁ NA CONQUISTA DA AMAZÔNIA
S
egundo Reis (1982), Tordesilhas assegurava a Portugal apenas uma fatia do litoral brasileiro. A linha fixada passaria na altura do que é hoje a cidade de Belém. A Amazônia Portuguesa reduzia-se ao que é hoje a Região Bragantina. Evidentemente para Portugal era muito pouco. Entretanto, embora cabendo à Espanha as principais façanhas descobridoras, não foram os espanhóis que se atiraram à obra inicial da exploração da Amazônia e sim os holandeses, ingleses e franceses com objetivos mercantis e coloniais.
Portugal ganha a guerra diplomática contra o Tratado de Tordesilhas e começa a luta pela conquista da Amazônia.
Neste contexto inclui-se Cametá nas especulações geopolíticas e geoestratégicas dos Governos e Exército Francês, Português e Cabano ao longo do tempo histórico.
Aliada a posição geograficamente favorável ao recrutamento, preparação, posicionamento e treinamento dos combatentes, o Rio Tocantins e particularmente a área cametaense situada entre sua foz até a Vila Viçosa de Santa Cruz dos Camutás (Cametá-Tapera), era povoada de tribos indígenas destacando-se os Camarapins, Parissós e Pacajás. Exímios flexeiros, caçadores e conhecedores da arte de combater flexando de suas pirogas (canoas). Esse valor humano dos aborígenes cametaoaras despertou interesse estratégico. D’Evreaux descreveu as aptidões bélicas de nossos nativos afirmando que:

Eram tão dêxtros ao manejo das flechas que atirando-as ao ar vinham cair na galcota, onde estavam os nossos soldados e nas canoas dos índios Tupinambás, ferindo muitos. [...].
O que seria se fossem policiados ou conduzidos e instruídos pela disciplina militar (D’EVREAUX, apud HURLEY, 1936, p. 16).

A observação de D’Evreaux refere-se ao episódio da chacina cometida pelo Exército Francês-Tupinambá, de La Touche, em 1613, quando 1120 tupinambás e 80 soldados franceses investiram contra as tribos guerreiras do Tocantins, das Aldeias dos Pacayás e Parijós, onde morreram 60 índios.
Frustrou-se a tentativa de Daniel de La Touche,  governador do Maranhão, de hastear a bandeira de seu país nas Aldeias dos Camutás, visando a expansão da conquista francesa. Alexandre de Moura e Jerônimo de Albuquerque expulsam os franceses do Maranhão.

A FORÇA GEOPOLÍTICA DA IGREJA
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 uso geopolítico e geoestratégico de Cametá continua com a igreja e o Governo Luso. A partir de 1620 os índios Camutás já “pacificados” pela catequese e já pertencentes ao “Exército Divino” podem também pertencer ao Exército Luso.

Não foi fácil a pacificação dos índios Camutás. Durante três anos o Frei Cristovão de São José, dedicou-se com sua bondade, humildade e fé em Deus, expondo sua vida dentro do mato, à procura de almas transviadas para trazê-las e torná-las felizes dentro do comportamento cristão (TAMER 1987, p. 10).

A missão pacificadora da igreja não deixa de ter valor geopolítico para os portugueses, na conquista da Amazônia. Hurley (1936, p. 20) assim descreve essa missão: “Chegam enfim, a 22 de julho de 1617 os verdadeiros colonizadores, os soldados de Cristo, os sacerdotes da paz e da ordem”[...].
A ação geopolítica da Igreja Católica foi a semente que lançou o alvorecer da Cidade de Cametá e seu primeiro porto. A essência, o embrião da cidade, foi lançado nas origens da primeira povoação em Cametá-Tapera, por Frei Cristovão de São José, em 1617, um ano após a fundação de Belém, quando conseguiu trazer os Camutás para junto da ermida que plantou às margens do Tocantins, em 1620, como ensina Pompeu (2002, pág. 27-28).

O primeiro sacerdote a realizar trabalho de catequese por estas plagas foi Frei Cristóvão de São José [...]. Por aqui ele aportou por volta de 1617, numa faixa de terra que é a primeira porção de terra firme à margem, esquerda do colossal Tocantins - Cametá-Tapera. Imediatamente entrou em contato com a tribo dos Camutás, conhecidos como hábeis construtores de montarias e exímios caçadores. Depois de árdua catequese conseguiu arrebanhar alguns índios para a circunvizinhança de uma ermida às margens do rio. Isso ocorreu por volta de 1620, originando-se assim o primeiro povoamento do baixo Rio Tocantins.
                    
Essa povoação serviria posteriormente como alicerce para a capitania de Feliciano Coelho de Carvalho e pilastra mestra para a consolidação da cidade de Cametá.
Considerando-se esse evento histórico da Igreja Católica. Se nos primeiros três anos, Frei Cristovão de São José, (na margem esquerda tocantina, hoje denominada Cametá-Tapera), expôs sua vida dentro do mato a procura de almas transviadas, então, essas almas, não habitavam ainda nessa localidade. Em tempos anteriores a 1620, esses aborígenes eram, como os batizou Tamer, “almas transviadas” infelizes, viventes dentro do mato, por não terem “comportamento cristão.”
Como filhos e “filhas das matas”, emprestando o título do livro da historiadora e escritora cametaense Celeste Pinto (2010), os Camutás, pré-cristãos, provavelmente ainda não poderiam ser Camutás remeiros, construtores de montaria, moradores de casas nas árvores para vigiar inimigos vindos pelo rio e navegar em piroga ligeira, como cantamos no Hino de Cametá, pois, se viviam transviados dentro do mato, era mais provável que fossem exímios caçadores e tivessem outras habilidades.
As evidências históricas, no entanto, mostram que os Camutás foram indígenas ribeirinhos e que se estabeleceram no lugar que se transformou em Vila Viçosa. A cruz dos cruzados, estampada na Bandeira de Cametá, é uma homenagem ao Custódio Frei Cristóvão de São José, frade capuchinho, considerado fundador da Povoação de Santa Cruz dos Camutás, em 1620. Data não considerada oficialmente, para a fundação da Vila Viçosa e da Cidade de Cametá e sim, 24 de dezembro de 1635.
 Existe a possibilidade de terem, os Camutás, se fixado em outra localidade ribeirinha do Tocantins e/ou de terem sido nômades, antes de 1617, como defendeu em comentário com esse autor o Prof. Hélio Vasconcelos, editor desta obra.
A comprovação dessas possibilidades e de seu tempo histórico, somente seria possível, com um longo e competente estudo arqueológico e geológico, mas as “águas assassinas” do Tocantins destruíram todas as primeiras terras dos Camutás e o primeiro Porto de Cametá. Que bom seria se esses cientistas pudessem encontrar um fóssil de uma bela e atraente camutá de tanguinha multicolorida em penas de pássaros! Ou para nosso consolo, encontrassem uma túnica preta fossilizada, do nosso não considerado fundador oficial, Frei Cristovão de São José! Ou na pior das hipóteses, um tacape ameaçador de um temível Chefe Guerreiro Camutá!
          Amigo leitor, o parágrafo anterior foi para descontração. Voltando a seriedade, reflita comigo. Com qual ferramenta nossos silvícolas construiriam habilmente montarias, remos, casas aéreas, se não tinham ainda contato com o “mundo civilizado”? pois, recorrendo Cruz, citado por Pompeu (2002, p. 24) “Nossa colonização principia com a concessão da donataria de Santa Cruz dos Camutás a Feliciano Coelho de Carvalho” em 1633. Foi com a colonização que chegaram as ferramentas e “apoio” para os indígenas. Em Pompeu (2002, p. 13), verifica-se que “As pesquisas históricas comprovam a existência do grupamento indígena Camutá, pertencente à nação Tupinambá. Há registros que o povo Tupinambá habitava a região dos baixos rios e a ilha do Marajó”
        Mas, tendo os Camutás aprendido a arte de construir montarias, remar ligeiramente em pirogas, viver trepados em

Figura1Casa aérea, construída em árvore pelos Korowais, povo que vive no sudeste da Nova Guiné. Era dessa forma que vigiavam, caçavam e moravam os Camutás, em seus mutás, segundo grande parte de nossos historiadores.
FONTE:Daniel Vieira
árvores para caçar ou vigiar de suas casas aéreas (Figura 1), de seus mutás, com ou sem o apoio da igreja, antes ou depois de ser catequizados e colonizados, não anula a comprovação do poder geopolítico da igreja que já chegou nessas paragens com a “missão pacificadora” compromissada com o Governo Luso que chegaria depois, para treinar e mobilizar milhares de Camutás e montar suas peças estratégicas militares, necessárias para a implantação do projeto luso de conquista da Amazônia. É o início do uso geoestratégico militar do Primeiro Porto Cametaense.

A ESTRATÉGIA MILITAR
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omente após a vitória no jogo geopolítico da “pacificação” dos indígenas é que os portugueses passam a utilizar a estratégia militar. Inicia-se a formação dos Exércitos Luso-Aborígenes que saíram do Porto Cametaense para a conquista da Amazônia.
Em 1632, na Vila Viçosa de Santa Cruz dos Camutás, “Feliciano Coelho de Carvalho reuniu 5.000 índios de guerra, exímios flecheiros, remeiros, nadadores e mateiros e 240 soldados lusos, a bordo de 127 canoas” (HURLEY 1936, p. 32). Com esse exército tomou e destruiu o Forte Camaú (hoje Macapá) impondo duro castigo aos índios Nhangaíbas que eram aliados dos ingleses.
Após cinco anos, em 1637, Pedro Teixeira, na mesma Vila Viçosa e no mesmo Porto Cametaense, organizou sua expedição recrutando 1.000 índios flecheiros, remeiros e tripulantes, construindo 45 embarcações. Partiram da praia de Cametá-Tapera até Quito no Peru, continuando a conquista da Amazônia.
Francisco Coelho de Carvalho, governador das Províncias do Maranhão e Grão-Pará, concede em 1633 à Feliciano Coelho de Carvalho, seu filho, uma donataria, em recompensa pelos “seus” trabalhos na conquista da Amazônia, principalmente no episodio da expulsão dos ingleses de Camaú, terra dos índios Tucujus. Essa capitania abrangia a Região Tocantina com sede na Vila Viçosa, popular Cametá-Tapera, que foi o porto militar da capitania visto que era o lugar de maior interesse geopolítico naquela época. Em 24 de dezembro de 1635, ocorre a fundação oficial da Vila Viçosa de Santa Cruz dos Camutás e nesse local permaneceu por 67 anos, até 1702, segundo Tamer, quando foi transferida para a localidade chamada Murajuba, antiga aldeia Tupinambá, hoje Cametá. Sua transferência foi pelo acelerado processo de erosão fluvial e pluvial da vila, por decisão popular. Mestre Penafort[1], porém, afirmou que entre 1670 e 1690 a Vila Viçosa foi transferida para o Sítio Parajó (denominação Tupi-Guarani da antiga Aldeia dos Parissós), pelo Padre Manoel Nunes, devido a crise de Varíola em Vila Viçosa, a partir de 1662.


[1] Raimundo Penafort de Sena. Foi Diretor do Museu Histórico Cametaense.  Professor de História e tradicional conhecedor da História de Cametá, além de músico e literato. Faleceu no ano de 2001.

Fonte: O Porto de Cametá no espaço de circulação / Flodoaldo Moreira dos Santos. – Cametá-PA : Ed. Lendoas, 2015, pág 17 a 24

VIEIRA , Daniel. Tribo indígena que vive em cima das árvores, 2011. Disponível em , Tribo indígena que vive em cima das árvores; acesso em 13 jun 2015

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